C10 BEV: conduzimos o SUV da Leapmotor que parece a personificação automóvel de Dr. Jekyll e Mr. Hyde

O C10 tem espaço de sobra, conforto e um preço competitivo. Contudo, há algumas falhas que não conseguimos ultrapassar: este SUV tem urgentemente de ser mais human friendly.
O ensaio mais prolongado ao Leapmotor C10 BEV chega quase oito meses depois de o termos conduzido pela primeira vez, na sequência da apresentação em Portugal juntamente com o citadino T03, ambos trazidos pela Stellantis. Agora, com tempo suficiente ao volante, foi possível perceber melhor o que vale este SUV de grandes dimensões.
Por fora, o C10 apresenta-se sem artifícios e com uma presença discreta; aqui não há formas musculadas e agressivas. Na traseira está o elemento mais marcante, com uma faixa de iluminação que percorre toda a largura e uma asa/spoiler onde a escova do vidro traseiro fica escondida, o que lhe dá um factor ‘wow’.
A cor Tundra Grey, associada às jantes desportivas de vinte polegadas em formato tridente com quinze raios, completa o visual da unidade que a Stellantis nos cedeu para teste. No geral, o C10 caracteriza-se por ser um modelo em que nada é muito marcante, mesmo à medida de quem prefere automóveis que não sejam um “ímane” de atenções.

Quando passamos para o interior deste SUV, aí, sim, percebemos um dos seus grandes argumentos: com 4,7 metros de comprimento e 1,90 metros de largura, é fácil perceber por que razão o espaço e o conforto a bordo estão num óptimo nível. Se, durante a apresentação, o habitáculo surpreendeu pela combinação de materiais e pelo conforto, a nossa experiência prolongada ao volante reforça esta percepção.
Os plásticos misturam-se com superfícies macias, a insonorização é muito eficaz e o ambiente é claramente de sala de estar, sobretudo para quem viaja atrás, onde há espaço de sobra para viajar de perna cruzada. Quase que apetece tocar num botão para fazer aparecer uma pirâmide Ferrero Rocher.
À frente, a arrumação é outro ponto positivo: temos dois suportes para copos, carregamento sem fios Qi, uma consola em “ponte” com USB-A e USB-C, um compartimento muito generoso sob o apoio de braço e ainda dois suportes para copos mais recuados. Aqui, não há nada que nos deixe a pensar como podíamos tornar algo muito melhor, embora preferíssemos uma bandeja para smartphones mais inclinada.

Num primeiro contacto, tínhamos achado que a inspiração da Tesla era evidente e, agora, essa ideia não desapareceu: o volante replica o desenho e os botões redondos dos modelos da marca americana. À direita, controlamos o multimédia e podemos circular entre várias informações no painel de instrumentos. À esquerda temos um botão para trancar/destrancar portas e outro para atribuir funções como activar o desembaciamento, silenciar o multimédia, mudar de modo de condução ou abrir a vista panorâmica 360 no ecrã.
Com ambos é possível regular os espelhos retrovisores, mas o controlo principal da esquerda fica em funções atribuídas à condução. No nosso ponto de vista, isto acaba por ser um desperdício de interacção, pois, na prática, ficamos com um controlo “cego” à distância de um dedo: porque não um atalho para circular entre modos de condução?
Além destes, praticamente não existem botões físicos (temos apenas os dos vidros, nas portas; e o do tecto de abrir, no tejadilho), pelo que o C10 vive quase exclusivamente do ecrã táctil HD de 14,6 polegadas (2.5K), colocado na horizontal. É é aqui que surgem os primeiros problemas.

A fluidez de que tínhamos dado conta nas primeiras impressões não se confirmou. O sistema revelou lentidão, atrasos em toques simples e uma navegação pouco intuitiva. A ausência de Apple CarPlay e Android Auto pesa muito e a alternativa, a app QD Link, é complicada de usar: exige um cabo ou ligação à rede Wi-Fi do C10.
É complicado aceitar que um automóvel deste tipo não tenha estes dois recursos e que o sistema fique longe de uma experiência simples que se espera de um modelo que se quer futurista. Mesmo as funções básicas, como mudar de estação de rádio com os comandos do volante, têm um evidente atraso. O sistema de navegação é outro problema e não consegue rivalizar com o Waze ou com o Google Maps.
Depois, há ainda escolhas de interface difíceis de justificar. Entrar no menu da climatização a partir do ícone da ventoinha liga automaticamente a ventilação, algo que não deveria acontecer; mesmo este menu está demasiado carregado de opções.

Os sistemas de segurança também podiam estar mais bem organizados: há funções ADAS divididas por secções diferentes (‘Assistência ao Condutor’ e ‘Segurança Activa’), o que nos obriga a saltar entre menus para desligar tudo. Um botão directo para ligar/desligar tudo seria bem-vindo; ou, então, a possibilidade de atribuir esta função ao botão configurável no volante.
Alternar modos de condução também pode ser uma dor de cabeça: se tivermos o One-Pedal ligado, é preciso primeiro desligá-lo antes de escolher um dos disponíveis (‘Eco’, ‘Conforto’, ‘Desportivo’ ou ‘Personalizado’). Se acrescentarmos a isto o facto de este tipo de coisas ser feito a conduzir, o C10 não abona muito a favor da concentração ao volante.
No capítulo da utilização diária, surgem limitações que também não compreendemos: a abertura é feita com um cartão que temos de encostar ao espelho retrovisor esquerdo durante alguns segundos, o que é pouco prático. Depois, também não é possível abrir a bagageira sem recorrer ao ecrã principal (não nos conseguimos lembrar de algo mais bizarro) e as maçanetas embutidas não se abrem automaticamente.

Este foi um modelo que nos deu várias vibes de Dr. Jeckyl e Mr. Hyde: tanto nos deixou à beira de um ataque de nervos, como nos acalmou com um habitáculo zen e lounge. Em condução, o sentimento prolonga-se o C10 tem um comportamento equilibrado, muito silencioso e confortável, apesar de as dimensões se sentirem, e bem.
Aqui na versão de 218 cavalos, com tracção traseira, os consumos ficaram nos 18,2 kWh/100 km após um total de seiscentos quilómetros percorridos. Este até podia parecer um valor aceitável para um SUV desta dimensão, mas, se dissermos que conduzimos 90% do tempo em modo ‘Eco’, fica difícil de engolir.
Resultado: gastámos cerca de oitenta euros para carregar o C10 numa viagem de ida e volta até Coimbra (a marca fala em 420 km WLTP), o que nos faz pensar que este modelo está mais preparado para usar-se na cidade que outra coisa.

Com um preço a começar nos 33 900 euros, o Leapmotor C10 BEV distingue-se, sobretudo, pelo espaço e pelo conforto. Mas a experiência digital – que é central num automóvel que aposta tanto na simplicidade e na tecnologia – precisa de ser (muito) melhorada. O hardware está lá e o design interior convence: falta apenas que o software (e um valente acrescento de autonomia) acompanhe esta “aventura”.











