Mustang Mach-E Premium: conduzimos o cavalo eléctrico da Ford que tanto pode ser um ‘sussurro’ como ‘indomável’

A herança do nome Mustang personifica-se, agora, num modelo 100% eléctrico, em formato SUV, que tenta equilibrar tradição e inovação.
‘Mustang’ é daqueles termos que, no mundo automóvel, impõe logo respeito, quanto mais não seja pela carga mediática que ganhou em filmes como Bullit (GT 390 de 1968) e, mais recentemente, na saga John Wick (Mach 1 de 1969). Famosos ficaram ainda as versões de alto desempenho criadas por Carroll Shelby (retratado por Matt Damon no filme Ford vs. Ferrari).
Embora seja inevitável que os puristas torçam o nariz ao ver este nome num carro mais “elevado” (às vezes, cansamo-nos de dizer ‘SUV’) e silencioso, a verdade é que a Ford fez questão de manter algumas linhas evocativas do modelo original, especialmente lembradas pelas ópticas dianteiras e traseiras. O resultado é um visual desportivo e marcante, ainda mais evidenciado nesta versão Premium com jantes de liga leve de dezoito polegadas e na elegante cor Glacier Grey (um opcional de 1118 euros).

Lá dentro, o ambiente é o resultado da aposta da Ford no conforto, num luxo q.b. e no ADN desportivo: os estofos em couro perfurado (no tom Black Onyx) têm pespontos vermelhos que se estendem ao volante, portas, consola e painel de bordo. O habitáculo é espaçoso, com destaque para o banco traseiro onde há espaço de sobra para as pernas.
À frente, a posição de condução é elevada e transmite uma sensação robusta e segura, em linha com o conceito de SUV premium que agora parece ser obrigatório em muitas marcas – mas quantas podem dizer que têm um Mustang com este formato? Pois…
Uma das curiosidades mais assinaláveis deste Mach-E Premium é a ausência de puxadores tradicionais nas portas. Em vez disso, há botões físicos que destrancam cada porta, e no caso da do condutor, temos um painel táctil no pilar B onde é possível inserir um código para destrancar o carro (configurável na opção ‘Código do teclado da porta’, menu ‘Veículo’). Pelo que experimentámos, esta é uma boa alternativa ao uso da chave mecânica, mas o painel nem sempre assumiu à primeira os toques que demos.

Em termos tecnológicos, há dois ecrãs com filosofias muito distintas: o painel de instrumentos de 10,2 polegadas atrás do volante é minimalista – mostra apenas o essencial, como autonomia (em quilómetros e percentagem), velocidade digital, limites de velocidade e indicação da mudança.
Ao centro, ficamos com um gráfico que representa o carro visto de cima, com sensores que mudam de cor conforme a proximidade de obstáculos. No entanto, sentimos falta de opções de personalização – não há diferentes grafismos conforme o modo de condução, nem podemos escolher a informação a mostrar.
Mas o grande (literalmente) destaque é o ecrã táctil vertical de 15,5 polegadas, onde “vive” o sistema operativo SYNC 4, onde ficam todos os controlos do carro, dos modos de condução à climatização. Este ecrã, contudo, está demasiado avançado no tablier, o que dificulta a sua utilização em andamento – além disso, notámos alguma lentidão ao navegar entre menus, como se o sistema tivesse de “pensar” antes de responder. Este é um detalhe que pode (e deve) ser corrigido com uma actualização de software.

Na verdade, a interface do SYNC podia ser mais intuitiva. Por exemplo, quando tentamos aceder ao menu de carregamento público em andamento – que apenas mostra um mapa com postos – somos impedidos, com o sistema a avisar que algumas funcionalidades não estão disponíveis durante a condução. Este é um exagero de zelo que “fere” a interacção com o sistema
Um pormenor interessante é o botão rotativo embutido na parte inferior do ecrã. Este adapta-se ao contexto: regula o volume, a temperatura ou outras funções, conforme o menu activo. Mas, mais uma vez, problemas: apesar de ser sofisticado, as indicações em torno do mesmo sobrepõem-se à informação que estiver por trás, uma grave falha de UI que não está à altura da insígnia Mustang, nem do luxo que este modelo nos transmite.
Como forma de facilitar a interacção, os comandos da climatização aparecem sempre na parte inferior do ecrã – incluindo os aquecimentos dos bancos e do volante – mas, estranhamente, existe também um botão físico para desembaciar o pára-brisas, localizado numa zona pouco intuitiva à esquerda do volante, ao lado de outros controlos como as luzes e o controlo de tracção. Esta solução transmitiu-nos que houve alguma indecisão (ou confusão) por parte da Ford sobre onde e como organizar os botões físicos.

Por outro lado, gostámos bastante do volante: é bem desenhado e funcional, com comandos divididos de forma lógica: à esquerda, os do piloto automático e cruise control; à direita, temos os de multimédia e chamadas. Nas manetes, no entanto, a gestão das luzes foi relegada para o tal conjunto de botões no tablier, sendo que a da esquerda apenas controla máximos e piscas.
Muito criativa, e fora do convencional, foi a forma como a Ford deu nome aos modos de condução: ‘Whisper’ (‘Sussurro’ – suave e indicado para «piso escorregadio»); ‘Active’ (um «modo equilibrado para o dia a dia», ou seja, o ‘Normal’); e, ‘Untame’ (‘Indomável’ – um perfil mais desportivo, com «direcção e aceleração mais reactiva»).
Ao contrário do que acontece com os automóveis que temos conduzido, no Mustang Mach-E não temos um comando físico para seleccionar estes modos: estão todos “escondidos” num menu chamado ‘Controlos’, mas faria mais sentido encontrá-los sob ‘Veículo’ ou em ‘Condução’.

Como também é habitual em eléctricos, há o modo de condução ‘one pedal’, que aqui se revelou demasiado “agressivo”: quando activado, as travagens foram bruscas e desconfortáveis. Preferimos usar o modo ‘L’ no selector de marcha para recuperar energia de forma mais equilibrada; e já que falamos nisto, sentimos falta de uma visualização gráfica clara da relação entre a potência e a regeneração de energia em tempo real, no painel de instrumentos.
Do ecrã principal, saltamos para a consola central, que oferece bastante espaço de arrumação, mas a solução em ponte adoptada pela Ford não é a mais prática: a zona inferior é de difícil acesso e pouco útil devido à escassa altura – foi mesmo uma das piores soluções do género que experimentámos em automóveis.
Em contrapartida, a área superior é muito mais útil: temos uma ampla bandeja com carregamento por indução para smartphones, outra igual sem esta tecnologia e ainda portas USB e USB-C. Mais atrás, há espaço para duas garrafas (nesta zona, bem colocados, ficam ainda o selector de marcha, o botão de estacionamento e o travão electrónico). Também gostámos da solução encontrada para o apoio de braço, que parece flutuar por cima de um compartimento tapado por uma tampa retráctil, onde também fica uma tomada de 12V.

Com uma autonomia máxima anunciada de 600 km, a versão ensaiada do Mustang Mach-E Premium foi a de Bateria Alargada RWD com bateria de 87 kWh e 294 cavalos, com alguns extras além da cor. Aqui, o destaque vai para o tecto panorâmico (1015,98 euros) e o Pack Tech, que inclui um sistema de som Bang & Olufsen de seis colunas (1321,02 euros).
Depois de quase 220 quilómetros de condução, fizemos consumos de 13 kWh, abaixo dos 17 anunciados pela marca, o que acaba por ser um óptimo valor para o evidente “porte” que este SUV desportivo evidencia. O Mustang Mach-E Premium é um automóvel que impressiona pelo estilo, conforto e ideias ousadas, embora “salpicado” por decisões ergonómicas e falhas de interface que não se podem admitir num automóvel de mais de setenta mil euros.